quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Destroços

"Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz." (Chico Buarque - João e Maria)



Encontros e desencontros me trouxeram nas verdades que eu nunca vivi. Caminhei pelas calçadas cantando músicas tristes, trazendo comigo o peito aberto com as cicatrizes. Histórias eu inventava enquanto pisava, que eu era um herói salvando um mundo que nunca existiu realmente. Existiu somente aqui, escondido, apagado no meu coração. Olho para trás, vejo só ruínas do castelo que construí. Pedra sobre pedra, diziam os podres humanos que ajudaram a destruir.  Agora, me condeno a caminhar pelas ruas vazias como um errante sem medo de morrer. A morte nunca me assustou de verdade. Virar pó para voar ao vento não parece tão ruim assim.


Já fui um príncipe. Já fui o cara que subia no cavalo branco e ia buscar princesas para salvar. Hoje sou só um andarilho fadado à carregar espadas enferrujadas nas costas. Dizem que a gente é feliz. Dizem que a gente pode tudo. Mas, o tudo não pode com a gente. Então a gente se torna nada. Pecados são tudo o que eu tenho. O último olhar que consegui ver foi aquele que me disse adeus. O único sonho que consegui ter foi aquele que me destruiu por dentro, perdendo os cortes em minhas entranhas. Eu me tornei o destruidor de almas, o líder dos sonhadores desiludidos.


Passos largos, olhos fechados e memórias bagunçadas. Me tornei um alguém desprezível, com cadarços preparados para eu pisar e tropeçar. e com as mãos manchadas de sangue. E continuo caminhando, decorando paisagens e locais que as pessoas nunca passaram. Cravo tudo o que eu tinha na terra, fincado sem esperança de que ela pare no mesmo lugar. Olho em volta, e só vejo papéis esmagados com a minha solitária lembrança de vida. Lembro-me das vezes em que tentei ressuscitar em vão meu coração estraçalhado. Me tornei só, somente eu, o cara abandonado.


Eu vi a moça vindo ao meu encontro daquela vez, e eu me lembro quando me tornei o resto de todos os destroços da minha vida. Eu me lembro ela me olhando, e sorriu, talvez por pena de minha aparência que demonstrava quase que claramente que eu estava destruido por dentro. Ela me mostrou o quanto de cor azul um olho é capaz de carregar, e o quanto um sorriso mesmo sem querer pode representar tanta coisa pra alguém que não tem nada. E assim, eu decorei o meu sonho com os olhos dela, para que ele me mostrasse que ele realmente era lindo se eu pensasse nele de manhã.


Mas aquela moça, por mais forte que eu desejasse, ela nunca seria minha. Ela nunca iria querer enfrentar tamanho risco com os meus dedos entrelaçados no dela, caminhando sem destino em matéria descrita como escuridão. O mundo é maior que eu pensei, disse eu, ao observar ela parada no mesmo lugar enquanto eu colocava meus mantimentos nas costas. Sorri antes de dizer tchau, mesmo sendo uma mentira, mesmo sendo que meus desejos fossem ficar lá, ser alguém pra ela, ser alguém que representava algo na vida dela.


E continue a caminhar, foi o que eu falei antes de desaparecer ela detrás de mim. Meus passos começaram a se tornar fracos, meus sentidos se tornaram fracos, e minhas memórias, bom, nem sei se ainda posso considerar que ainda tenho uma. A caminhada se torna mero detalhe com tanto cenário perfeito para se perder. Histericamente, escolhi palavras aleatórias para dizer os sentimentos confusos que venho tido sem explicação, com plataformas para saltar e não saber o que tenho feito. Um andarilho perfeito pra ser alvo de um tiro de bala perdida.


Eu li o poema de Drummond uma vez, quando eu me senti realmente mal, quando senti o meu peito descoberto pelos demônios que me afligem, e vi tudo se tornar pleno caos das misérias que me tornei. Ele dizia que, em suas palavras, "Entretanto você caminha melancólico e vertical. Você é a palmeira, você é o grito que ninguém ouviu no teatro e as luzes todas se apagam. O amor no escuro, não, no claro, é sempre triste, meu filho, Carlos, mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá.
Não se mate". Pobre eu, mal pude saber que as minhas palavras são melancolia em essência, e acho que nem mesmo a ciência pode entender o que diabos eu penso de tudo o que vejo.


Os olhos de meu pai, ao me ver longe de casa, enche de lágrimas orgulhosas, ele nunca saberá que as cicatrizes que eu carrego nas costas é muito grande pra explicar com minhas palavras. Queria ser melhor do que eu pensava, queria ser o cara que ele esperava. Droga, acho que não consegui alcançar as metas que eu queria. Acho que eu serei apenas um cara que vai contar histórias que nunca viveu, e explicar que eu sou mero caminhante, contando meus passos e torcendo pra que eu consiga chegar até o inal. Espero, pelo menos.

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