quinta-feira, 30 de julho de 2015

História De Apenas Mais Um Cara







E lá estava ela. Eu comecei a reparar aquela moça que passava sobre mim todos os dias, apressada com o passo firme naquelas escadas que eu costumava ficar. E eu, bom, eu era só mais um cara, um cara com a barba descuidada, o cabelo desarrumado e um olhar que já passou da validade,e muito provavelmente, mofado. Quando eu a conheci, eram dias confusos. Eram dias que a gente se pergunta como diabos ele passou, e o que foi que a gente perdeu. Estávamos no mesmo ônibus lotado, ela sorriu pra mim, eu retribui. Droga, eu me esqueci de dizer pra ela como ela sorria de um jeito que nem mesmo a melhor dublê do mundo conseguiria imitar.


A conversa foi de um modo tão natural daquela vez, que parecia que eu estava tirando uma música de ouvido. Claro, aquela voz suave era tão linda que eu entrava numa espécie de transe idiota que eu me tornava um tipo de bobo-da-corte que tentava fazê-la rir de todos os modos. As piadas ruins, minhas histórias toscas, alguma coisa que me mostrasse aquele sorriso de novo. Meu peito inflava ao ver aquilo, "Como eu ajo perto de uma guria desse tipo?", dizia eu. Eu nunca disse a ela, diretamente, o quanto eu a achava linda, e o quanto eu precisava do diálogo que a gente criou aquele dia.


O cheiro dela ainda guardo num pote de margarina. É ridículo, eu sei, mas é a única forma de eu ainda me lembrar de como ela era incrível. Aquele abraço eu gravei nos meus discos, eles tocam o tempo todo pra eu cantar sobre ela. Ela provavelmente faria uma careta e iria se afastar de mim se soubesse esse texto romântico meloso desesperado que eu escrevo. Bom, provavelmente ela nem saberia de tal existência de palavras simplórias deste cara, afinal, eu sou mais um cara. Eu nunca fui mais que um cara na imensidão de planetas do universo dela. Eu queria ser mais que isso.


Naquela época eu não sabia que as coisas teriam tantas reviravoltas. Depois daqueles dias, nossos passos deixaram de ter o mesmo ritmo. Ela, promissora do jeito que era, inteligente do jeito que era, seguiu um rumo difícil, sabia que teria uma recompensa no final de tudo. Bom, eu era só um cara qualquer, meus olhos se guiavam por qualquer lugar. Segui meus rumos de modo que eu nem sei como, eu era só mais um adolescente idiota que realmente não sabia o que fazer da vida. "É isso, ou isso, ou isso". A indecisão era uma parte de mim já. Cravava-me palavras com a esperança de acabar com tudo isso de uma vez.


Ela me convidou para a cerimônia de casamento. Vesti uma roupa social, um sapatênis e fiz a minha barba, deixei impecável. Eu tinha que parecer incrível uma última vez, pelo menos só pra ela me enxergar. Que idiota ingênuo, acreditou que logo no casamento dela com outro rapaz ela iria olhar pro lado. Eu só a observei dando aquele beijo apaixonado naquele cara, naquele cara que podia ser eu. Podia mas nunca será, era o mundo me dizendo isso. Mas na festa cumprimentei os dois, tirei até foto. Eu não podia transparecer o que ela podia acreditar que podia ser. Éramos dois lados de moedas diferentes, histórias enterradas em terras distantes.


E por último, mas não menos importante, preciso falar dos olhos. Aqueles olhos que me encantavam cada dia, que eu costumava olhar todo dia a foto dela (por quê? porque eu sou um idiota e mereço ser espancado, por isso), sonhando que um dia ela me olhasse de um jeito e me abraçasse com força. Era isso que eu queria. Querer não é poder, dizia o mundo. E agora, pelo menos observo os olhos dela passando rapidamente todos os dias. Eu sentado nessas escadas do metrô, observando as pessoas passando, perco totalmente o foco ao vê-la indo ao trabalho pela manhã. Eu nunca perguntei a ela o que ela achava. Eu nunca fui o que ela precisava. E eu deixei o meu mundo na história, e o dela, na minha memória.

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