sexta-feira, 5 de abril de 2013

Aos Meus Olhos


"I'm happy at home
You're my best friend
Oh you're my best friend
Ooo you make me live
You you're my best friend." (Queen - You're My Best Friend) 



Vocês são tão previsíveis. Acostumei-me com suas ações estúpidas, que venho acompanhado por todos esses anos. Aos meus olhos, vocês são tão inferiores. Suas falhas, vem sendo repetidas. Seus defeitos, estão ficando cada vez maiores. E vocês ainda dizem que devemos ser submissos. Não sei como me sinto em relação à isso, minhas quatro patas vêm sendo castigadas pela idade, meus pensamentos vem sendo maltratados pela saudade da época que era mais jovem.


Lembro-me quando era bem pequeno, eu coube na palma da sua mão. Você me olhava com um olhar brilhante, como se o seu impressionismo para com meu tamanho e minha "fofura", como vocês dizem, me engolissem. Eu tremia só de dar dois passos. Colocava meus serviços à serviço teu,pela primeira vez. No início, meu trabalho era só de te animar. Te ver chegando em casa cansado, e te ver sorrir ao me ver. Claro,éramos jovens.


Lembro de ti mais jovem. Mais forte,mais viril,mais divertido. Lembro de quando você tocava seu violão enquanto eu fazia sujeira pela casa. Hoje em dia, o violão está encostado na parede mofada do seu quarto. Você chega em casa, joga suas roupas na cama, que está bagunçada à semanas, afinal, não há dinheiro algum que sobre para você pagar alguém para arrumar isso. Você está cansado, e me olhar com um olhar de pena. Quem sente pena aqui sou eu.


Lembra quando você brigava comigo pela sujeira que deixava? Você me trancava naquele quarto que era destinado para hóspedes, e eu chorava a noite toda. E mesmo assim, você não cedia, insistia em tentar me ensinar o certo e o errado. É, eu aprendi. Minhas necessidades, faço todas no jornal,como você dizia para mim fazer. Mas sinto saudades do quarto, confesso. Aquele quarto não tem mais acesso, você colocou algum armário inútil só para trancá-lo.


Eu lembro que estava junto quando você comprou essa casa, quer dizer nós. Lembra que ela investiu todo o dinheiro que ela havia economizado, e você juntou o seu e compraram essa casa. Essa casa. Lembra do jardim? Eu fazia três buracos a cada cinco metros. E você ia lá e colocava terra e adubo para nascer gramado de novo. Você tinha tempo para regar as plantas, ela lavava as roupas e eu brincava naquele espaço. Ás vezes ficávamos brincando com a água que saía da mangueira.


Ela faz falta né,cara? Ela. Aqueles olhos claros que você fazia uma poesia a cada passo, aqueles cabelos escuros que pareciam preencher todo o espaço do local que passava, e aquela voz que só de ouvir no telefone você derretia. Ah, você era uma manteiga derretida. Nada a ver com a masculinidade. Mas mesmo assim, vocês eram apaixonados. Víam-se todos os dias,e mesmo assim nem parecia. Parecia que todo dia estavam matando saudades por passarem muito tempo longe.


E agora, só te observo. Você vem sendo maltratado pelo tempo, vem sendo castigo pelo momento. Eu estou velho demais para correr entre suas pernas, brincar com o galho ou estragar seu sofá. Queria poder mesmo te animar. Mas deixo meu corpo cair entre o tapete, é bem mais quente. Cara, você é demais. Sabe como sempre amei você como meu melhor amigo. Lembro que você dizia o mesmo para mim antigamente.


Lembro de quando ela ficou doente. Você ficou desesperado,nem parava em casa, do trabalho para o hospital, do hospital para farmácias,doutores e bibliotecas para estudar sobre a doença. Você não queria perdê-la. Não podia. Mas a doença podia tomá-la para si. E ela lentamente, te deixara para trás. Naquele dia, você chegou em casa, e me fez um carinho triste. E chorou. Chorou pelo dia todo. Deixou o trabalho esperando naquele dia.


E aqui estou novamente, passei esses dias cansado demais. Não sei o que está acontecendo, parece tudo esquisito. Você me levou naquele doutor de confiança que a gente sempre foi todos esses anos. Ainda não gosto dele. Parece ter uma aura maligna. Ele me fez uns exames, e falou algo para você, não compreendi direito. A idade não me permite mais audição aguçada. Você começou a entrar em choque, a voz travou. Não fica assim, as coisas sempre se encaixam. Fomos para casa. Te vi deitar na cama, e começar a gritar para o mundo.


Eu já não sei mais como agir. Ah, pressenti. Já era hora. Subitamente, corro para fora. É hora de ir embora. Cara, vou sentir sua falta. Vou sentir falta da casa, da sua amada, do seu violão e das suas poesias. Corro entre lugares que jamais vi, escapo para prisões que jamais fui. E assim deito-me no chão frio, em pleno outono de abril. Agradeço pelo tempo que passei por aqui.


Escuto barulho de passos rápidos. Você vem ao meu encontro e chora. Não faz isso, eu não quero chorar no fim. Já passei por muita coisa ruim, não quero te ver assim. Nestes últimos momentos, eu quero te dizer que você foi o melhor amigo que eu poderia ter, e espero que você saiba para onde correr de agora em diante sem mim. Quando a gente se encontrar de novo, eu e ela estaremos te esperando. Adeus, cara.

0 comentários:

.