domingo, 14 de maio de 2017

Homicídio

"Hold onto hope if you got it
Don't let it go for nobody
And they say that dreaming is free
But I wouldn't care what it cost me" (Paramore - 26)



Talvez, ele andasse por ruas que não são feitas de terra. Talvez, ele acendesse fogueiras em dias em que as chamas se apagassem facilmente. Ele só era um jovem, diziam as histórias. Ele só era um jovem com uma mochila nas costas, e um olhar triste. Ele caminhava como se existissem trilhas, mesmo que não existisse alguma. Mesmo que não existisse ninguém por esses locais, ele ainda tentava andar. Era bonito aonde ele estava, as árvores derrubavam folhas e o vento era fresco. As terras eram fofas, as páginas de textos das quais ele escrevia com todas as suas forças já eram amareladas, e precipitadamente, ele fechou os olhos como se fossem apenas mentiras. Tudo o que ele era estava como se fosse cacos.


Seus olhos transbordavam água como se fosse um oceano, tudo o que ele sentia parecia como se fosse uma história mal contada, tudo estava a ruir novamente. Será que ele errou em alguma coisa de novo? Sentia sua pele desejar estar em algum outro lugar. Talvez seu corpo fosse mais aproveitado se fosse uma outra pessoa no lugar, talvez se outra mentalidade estivesse aqui talvez as coisas fossem diferentes, ele se sente realmente como se estivesse a caminho do hospital, e estivesse prestes a uma cirurgia de risco. Está tudo ruindo, ele me disse. Está tudo indo mal, ele me disse. O que eu fiz? Foi dar respostas vagas, sem preocupações, eu tinha as minhas, é, as coisas são assim mesmo.


E assim terminava a cerimônia, ele perguntava, eu respondia coisas vagas, estávamos preparados para entrar novamente na segunda-feira. Menos ele. Ele não quis acompanhar junto com a gente. Não quis seguir em frente, não quis enfrentar o mundo. Ele não era um guerreiro. Ele não era um soldado que estava preparado para ir ao front de batalha, com as armas nas mãos, e preparado para derramar sangue de adversários. Ele não era assim. Eu me lembro a sua caligrafia, ele dizia palavras simples e bobas, como que gritasse um desejo de harmonia e paz dentro de todos nós, como se quisesse que tudo se resolvesse da melhor forma. Ele era realmente um soldado sem armas, e sim uma caneta.


Eu vi fumaças. Eu vi sirenes, polícia, ambulância, na direção da casa dele, eram quase duas horas da manhã. Não questionei. Liguei para lá, ninguém atendeu. Liguei para os meus contatos, ninguém sabia de nada. Fui até lá, vi o inferno. Estava tudo em chamas, estava tudo indo aos pedaços. O que ele estava pensando? Por que ele queimaria tudo como se fosse jogado tudo para trás, sem pensar duas vezes? Ele era um amigo meu, por que ele iria jogar tudo o que tivemos como se fosse lixo e nos deixar para trás? Não pensou no que iríamos sentir quando ele fosse embora? Será que ele realmente se importava conosco?


Foi então que a polícia me deu um pedaço de papel, era a letra dele. Eu comecei a chorar instantaneamente, como se tudo fizesse sentido agora. Ele não precisava de milhares de amigos, e sim de apenas um. As palavras diziam: "Talvez eu não me importe tanto de ir embora, minhas malas estavam prontas antes mesmo das pessoas me conhecerem direito. Eu já conhecia o caminho, li coisas do tipo. Era tarde pra me fazer voltar atrás, mas não era tarde pra dizer adeus. Mas ninguém disse. Ninguém mesmo, nem mesmo uma mensagem, estava tudo preparado para ir embora. Eu reconheci como o mundo não foi feito para mim, e resolvi partir com um milhão de lágrimas na minha mão."


Desde o início, só pensei em mim. Desde o início, pensei somente em como eu me sentia perante a ele, como eu pensava e como meus problemas estavam me atingindo. Mas não pensei nem por um segundo que aquele sorriso era de plástico. Não lembrei que ele me disse uma vez, que queria ir embora. Não me lembrei, que ele me disse que estava tudo mal, que ele precisava de um abraço agora. Essas palavras foram as últimas coisas que eu cogitei lembrar. Eu só cogitava coisas banais, eram sempre os mesmos assuntos, eram sempre as mesmas derrotas, mesmas mentiras que eu fazia para parecer um pouco mais maduro. Ele não era assim.


Ele tinha a mentalidade sincera de uma criança, ele tinha o pensamento de alguém honrado, com ideais e ideias que fariam inveja a qualquer artista. Ele era um artista sem precisar ter apresentações, era um gênio que eu devia ter admirado mais cedo. Ele era a minha melhor parte dos meus amigos, e eu não valorizei nem mesmo por um instante. Eu era uma mentira. E quando eu vi, ele foi embora sem dizer adeus. e eu te escrevo agora, para não cometer o crime que eu cometi, matei alguém e fui considerado inocente. E eu matei sem dó, sem piedade, por simples desprezo. O nome dele? Gustavo.

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