quinta-feira, 2 de junho de 2016

Desculpa

"Socorro, não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir
Socorro, alguma alma, mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada" (Socorro - Arnaldo Antunes)



Já é 1:00 da madrugada e eu ainda acordado. Minha mãe vive reclamando muito tarde, e que isto faz mal para minha saúde. Ah, mãe, se tu soubesses como andas minha vida, meu sono seria uma das últimas coisas que tu iria se preocupar. Ando cansado, como se não tivesse tempo para respirar. Ando com dor, como se tivesse passando por uma cirurgia sem anestesia. Ando com todo tempo do mundo, como se estivesse apaixonado. Ando, ando, ando, e ao mesmo tempo, continuo no mesmo lugar. Seria metafórico se eu estivesse escrevendo uma poesia neste momento. Seria engraçado se eu fizesse um trocadilho como eu faço todos os dias toda vez que eu não sei o que dizer.


Desculpa, dessa vez não vai ser um texto bom. Dessa vez, não vai ser o texto que eu vou colocar em palavras o que eu geralmente digo, que eu sinto solidão sendo as minhas veias, e não vai ser o texto que digo que carregar o mundo parece algo que eu faria. Não, dessa vez eu vou falar o que eu não sinto. Dessa vez, vai ser o oposto. Vai ser aonde eu vou dizer tudo o que eu não queria, escrever o que eu não pensaria, e principalmente, sentir o que eu não sentia. E provavelmente, será um raro texto. Palavras não vão me tirar do inferno. E palavras também não sabem a diferença entre inverno e verão. Mas eu sei.


E começa dizendo que quando eu era mais novo, quando eu tinha lá meus oito anos, eu achava que o mundo era um tipo de cubo mágico que eu não conhecia, e aquilo me cativava. Era um tipo de teste que eu reprovava sempre, e que as pessoas eram as questões que eu nunca soube responder. Nem mesmo meus pais escapavam dessa minha análise. "O que eles estão pensando?", "O que eles estão sentindo?", "Como o corpo responde tudo isso que o cérebro diz?" e "Qual é a próxima atitude se fizesse tal coisa?", tudo isso passava na minha cabeça de modo constante e rápido, como se fossem moscas e deixando meu cérebro uma loucura.


E até hoje, eu nunca respondi nenhuma delas. Deixei todas elas em branco, como algumas provas de faculdade que acabei fazendo. Olho pela janela, me faz pensar, tanto tempo passei com isso na minha cabeça, e acabei indo meio que com a maré até aqui. Eu nunca questionei essas ideias decisivas, esse negócio de decidir sempre acabava me passando insegurança, e ou eu fugia, ou eu deixava isso nas mãos de alguém conhecido, no caso, amigos e família. Quão infantil eu era, e o pior, eu queria passar a imagem de intelectual, maduro, e alguém que sabia de tudo ao tentar aconselhar sobre os mais variados assuntos, quando nem mesmo eu sabia o que estava fazendo. Convenhamos, se alguém que está mais ferrado que você dar conselhos fosse ajudar, todo o mundo estaria em harmonia.


Ah, eu costumava decorar palavras como "obrigado", "por favor" e "bom dia", diziam que fazia bem, e eu achava engraçado de ser o único que dava a mínima para isso. E aquele cubo mágico, acabava ficando cada vez mais complexo a cada dia que passava, como se eu ficasse mais burro, ou talvez ele que ficava mais confuso. Eu era o único que via desta forma, provavelmente, afinal, eu era o único que tinha ideias e ideias de formatos engraçados. Os outros tinham a ideia básica do "Carpe Diem", de viver um dia de cada vez. Eu não. Eu sempre quis ver o futuro.


Se fosse possível, eu queria ter visto para evitar tudo o que aconteceu. Evitar muitos dos erros que cometi, evitar beber aquelas mentiras e sorrisos falsos à seco, de modo que eu não fosse o maduro o tempo todo. Mas isso não é possível. E então, eu segui, de forma informal e incorreta, de modo que eu realmente não soubesse nada do que estivesse acontecendo. E aquele cubo, hoje em dia, carrego no meu bolso, o mundo não é gigante pra mim. Na verdade, ele está mais pequeno do que eu imaginava, e tudo é óbvio para mim.


E o que eu estou sentindo? Eu sinto que não sinto. Como é essa coisa de gostar de alguém? Como é essa coisa de simpatia? Como é essa coisa de se importar? Como é essa coisa de sentimentos? Parece complicado, como a matemática mais complexa. Parece que é um tipo de amnésia de sentimento, algo esquisito e perdido dessa forma que eu meio que perdi o controle. O pior, é que eu não dou a mínima, porque eu não sinto. As pessoas podem se assustar, podem ficar preocupadas, mas eu não ligo, desculpa. Desculpa, mas vocês criaram um monstro. Quer dizer, acho que sempre teve um, a diferença que vocês mataram o herói.

0 comentários:

.