"Entra pra ver
Como você deixou o lugar
E o tempo que levou pra arrumar
Aquela gaveta
Entra pra ver
Mas tira o sapato pra entrar
Cuidado que eu mudei de lugar
Algumas certezas
Pra não te magoar"
(Cícero - Açúcar ou Adoçante)
Apodrecendo como se fosse nada menos que um ovo podre, deixando meu sorriso despedaçar como se fosse com um vidro. Bom, pelo menos as cicatrizes não pegam fogo. Carrego nas minhas costas o remorso e a vergonha de caminhar nessa chuva torrencial. Sinto saudades dela. Ouvi numa canção que é difícil encontrar anjos no inferno, e nunca tinha visto uma frase tão verdadeira. Meus olhos seguem qualquer rua, e tentativas falhas de tentar sobreviver. Eu consigo ouvir o barulho que me cerca nas ruas de novembro, cara, é pós-finados, e realmente, o tema combina. Talvez por ter matado a mãe e a filha de cinco anos seja tenebroso o suficiente para quem consegue ler essa carta.
Se você está lendo esta carta, provavelmente ou eu estou morto ou estou preso. Tanto faz, dessa vez eu encontro ela ao invés de mandar mensageiros. São quase quatro e meia da manhã, e eu ainda não lembro o porque de começar a escrever essa carta. Minha memória está uma bagunça, vejo os flashes maltratando meu cérebro. Ah, cara, por que diabos você teve que aparecer em minha vida, realmente, estava tudo certinho, tudo em seu devido lugar. Acho que amor serve só pra ferrar com tudo. Droga, eu não queria ter que te contar isso.
Estou começando a lembrar o motivo o porque de eu estar escrevendo. E também me lembrando o motivo de eu estar esquecendo. Eu bebi muito até te escrever, tem mais vodca do que sangue correndo em minhas veias. Como começar a te falar as coisas horríveis, hein? Me responda, como eu posso te falar as coisas? Como eu posso descrever nesta carta as coisas que eu antigamente cometia, as coisas assustadoras que provavelmente você irá ficar com medo de mim, me diz! Droga, acho que agora é tarde demais pra falar alguma coisa.
Quem eu era antigamente? Dessas coisas eu me lembro como se fosse ontem. Quando eu era pequeno, costumava jogar os animais que eu tinha de estimação do andar onde eu morava. Era bem alto, não lembro exatamente o número. Bom, como eu ia dizendo, eu costumava jogá-los, adorava a sensação de vê-los voar e encontrar ao chão. Me questionava como seria se fosse algo maior. Sim, desde garoto eu era assim. Podem procurar inúmeras razões de eu ser assim, seja meu pai que vivia ausente pra sustentar a família, seja minha madrasta que me espancava e mandava o meu meio-irmão abusar de mim sexualmente, enfim. Digamos que minha vida não foi das melhores.
E assim, eu cresci. Aos 15, numa crise de tantos abusos, esfaquei meu meio-irmão quando ele estava saindo do banheiro. Primeira vez que vi o sangue em minhas mãos, e junto a ela, a sensação de prazer. Ver o olhar desesperado dele ao ver a ferida, ver que estava tendo uma hemorragia, e o pior, vendo eu sorrir lambendo a faca com o sangue dele. Essa foi a primeira vez que matei alguém. Claro, por ser de menor, tudo foi acobertado, de alguma forma eu acabei com tratamento psicológico (como se adiantasse, a pessoa que o doutor encontrava era um personagem bem trabalhado), e passei minha vida assim até os 20 anos.
Aos 17, meu pai cometeu suicídio. Por incrível que pareça, eu não dei a mínima. Aparentemente, coisas como família, laços e amor fraterno era algo meramente ilustrativo. Fiquei com minha madrasta um tempo depois, mas não iria demorar muito. não é mesmo? Quando completei meus 18 anos e consegui minha carteira, a sequestrei e a amarrei numa árvore de um bosque que é bem pouco movimentado de madrugada. Acelerei o carro com toda a velocidade, e bati ele nela inúmeras vezes. O barulho não alcançava pois é bem afastado da cidade. Eu sorria cada vez mais. E assim começou minha sede insaciável de sentir alguma coisa.
Coisas como amor, amizade e sentimentos e emoções são como arte abstrata pra mim, nunca entendi, parece algo tão bizarro quando falam disso pra mim. E sim, quando sai de casa, graças as minhas notas altas em concursos e vestibulares, eu consegui um emprego de CEO de um banco multinacional. Mas nada que impedisse o meu hobby de se desenvolver, na verdade, eu virei um especialista. Os corpos que antes eram bastante escrachados e cheio de falhas em planos, se tornaram corpos perfeitos. Guardo uns 20 no meu quintal, acho que umas 15 são secretárias que contratava.
Apesar de ser uma merda não sentir muita coisa, eu vivia. Estava tudo plenamente organizado. Estava tudo ótimo, até você aparecer. Maldita hora em que você apareceu na minha vida, bagunçando tudo o que eu construí em todos esses anos. Eu fui na delegacia uma vez, aparentemente os vizinhos reclamaram do barulho que eu fazia ao escutar música alta (por incrivel que pareça todos eles são idiotas e nunca repararam nada), e eu fui lá prestar declarações. E então, eu te vi. Você me aguardava na sala. Você era a delegada. Droga. Filha da puta. Instantaneamente no momento que eu te vi, eu congelei. Ao encontrar seus olhos, parecia que você conseguia me ler como se eu fosse um banner gigantesco na sua frente.
Você foi fazendo perguntas, e eu dando respostas prontas e rápidas, aquelas do meu personagem. Mas bastava um derrapão e eu já deixava tudo ruir, pois o que eu prestava atenção era mesmo os seus olhos. Os seus olhos azuis perfeitamente encaixados nos óculos com as hastes rosa-claro. Merda. Merda. Saí de lá e eu não conseguia tirar você da minha cabeça. Era diferente. Era como se eu sentisse você em qualquer parte, como se eu estivesse conectado num GPS ambulante em você. Será que é isso que chamavam de amor?
Eu nunca perguntei o seu nome. Nunca nem falei com você. Mas eu pesquisei. Até deixei de matar pessoas por causa disso, tanto que ouvi dizer que a polícia estava preocupada por eu ter parado de fazer as coisas. Descobri o seu nome, endereço, idade, telefone, estatura, peso, hobbys e o que odiava (digamos que eu seja um especialista). Só falta ligar. Eu te liguei naquela noite fria de inverno, lembra? Você estranhou a minha voz, nunca ouviu falar de mim. Eu te expliquei que eu sou o seu pior pesadelo que pode virar um sonho se você permitisse. Você riu. A gente começou a conversar.
E na tua casa eu te beijei pela primeira vez depois de quase quatro meses. Eu senti toda aquele vulcão de sentimentos que as pessoas diziam. Merda, eu não sabia. E você sabia. Sabia que eu escondia algo, e cada vez estava mais difícil de eu esconder o lado errado. DROGA. Era tarde pra eu consertar as coisas que fiz. No último dia, quando vi que as coisas eram difíceis de esconder, e quando vi que vocês estavam um passo atrás de mim só, resolvi. Era tarde pra eu tentar salvar.
*******Pessoal, o texto agora tem 3 finais alternativos, que estão aqui embaixo, escolham o jeito que vocês gostariam que terminasse:
#Eu Te Amo Pra Sempre
Eu queria mesmo te dizer, eu nunca tive coragem. Por isso, eu saí de madrugada. Eu te beijei naquela noite uma última vez, com você dormindo. Eu fui covarde o suficiente a ponto de nunca ter dito adeus, nunca ter dito um eu te amo. Você pode me xingar agora, eu deixo. Mas esse eu te amo eu nunca disse, pra você não precisar devolver. Assim, com essa carta, o eu te amo fica pra sempre. Toda vez que tu ler, eu estarei dizendo um eu te amo.
#Desculpa, Sarah
Você insistia cada vez mais na história de que eu escondia alguma coisa. E eu insistia cada vez mais na história do personagem que eu tinha criado, mas você não era como os outros, você era a guria mais inteligente que eu já vi. Você disse que iria plantar uma plantinha no quintal, e eu com relutância permiti, mal sabia que era porque você sentia que tinha algo de errado ali. Você encontrou a única falha que eu deixei, uma pulseira de uma das minhas vítimas. Você me questionava, e eu em silêncio. Sabia que não tinha mais nada a se fazer. Você começou a cavocar e encontrou os corpos. Eu comecei a chorar, não queria que acabasse assim. Quando você estava distraída, acertei a pá na sua nuca. Foi o maior momento de aflição que tive. Matar sentimentos é assim? E então, com todas as minhas forças e lágrimas, te enterrei ali mesmo, não tive a capacidade sequer de tirar a sua vida com minhas próprias mãos. Desculpa, Sarah. Eu logo te encontro.
#Papel Do Vilão
Era uma confusão na minha cabeça, me perdia em todos os passos que eu tinha. A polícia e você cada vez em meu encalço, mas eu era somente um cara que não aguentava mais essa dor. Um dia, te puxei ao quintal. Era madrugada, e eu te fiz ligar pra polícia. Eu me denunciei na sua frente. Eu disse que eu era o culpado por todos os crimes e que eu podia apontar aonde estavam todos os corpos. Você estava em choque. O que me partia o coração era te ver chorar. Espero que garotas como você vão para o céu, porque se não forem, eu não faço ideia quem vai. E eu entrei na viatura, deixei você ir, deixei tudo pra trás. Algumas vezes temos que fazer o papel do vilão. Pena que eu fiz ele por 25 anos.
terça-feira, 3 de novembro de 2015
Assinar:
Postar comentários (Atom)
.
0 comentários:
Postar um comentário