quarta-feira, 28 de maio de 2014

O Médico e o Monstro

"I'm only a man with a candle to guide me
I'm taking a stand to escape what's inside me
A monster, a monster
I've turned into a monster
A monster, a monster
And it keeps getting stronger" (Imagine Dragons - Monster)




Minhas mãos deixam escorrer sangue fresco. Minha mente se ofusca perante a mera quimera que é o tempo mundano. Eu me deixo ir de repente, como se fosse mero detalhe. Este detalhe, de repente toca o chão depois de tanto viajar pensando em seus sonhos e convicções, como se fosse um balão cheio de ar. Eu pensava que seria fácil crescer, eu pensava "como é perfeito ser adulto, sem ninguém pra te mandar, ter a liberdade de fazer o que eu sempre quis fazer", mera ilusão de um garotinho engenheiro de sonhos. Eu pensava que se podia ter tudo o que quisesse, só não sabia que precisava merecer.


Pobre de dinheiro, rico de alma. Colecionei viagens só pra depois descobrir que o melhor lugar do mundo é minha casa. E as pinturas e reformas são apenas para fazer pessoas sentirem inveja de umas as outras, como se isso realmente importasse. Tudo o que importa, é apenas o calor e o aconchego de dentro da casa, o sorriso do pai, a serenidade da mãe, as piadas horríveis do tio, a reclamação da tia, aquela calmaria mesmo tendo uma tempestade lá fora. Eu pensava que esses dias não importavam muito, até eu perceber como é frio ficar sozinho pra fora.


Humanos são tão dependentes de uns aos outros, até parece que somos "racionais". Deixo que o coração pulse forte. Eu amarro as correntes de novo, com a esperança que não se despedacem como da última vez. O médico me entorpeceu, mas não vai adiantar dessa vez. A razão já se fora, me tornei um pesadelo vivo. Um monstro nasce, um alguém sem escrúpulos e com apenas uma sede insana de levar todos os que deixaram marcas para as chamas gritantes do inferno. Pensava que as pessoas eram boas, mas não, são todas mentirosas e faltadoras à palavra. "Bem-vindo ao inferno", ele me diz, como se eu tivesse culpa das coisas que acontecem, e eu, que sou apenas uma parte da vida deste monstro, concordo e digo "Obrigado".


Deixei que jogassem o xadrez sem que rodasse a minha vez. Deixei tudo passar, esperando que parassem as lágrimas e as maldades doentias que vi acontecer. Mas não, insistiram em seu ódio, por não saber perder. Então, tomei o veneno, deixe que pulse e cubra todo o sangue circula as minhas veias. O pesadelo veio a renascer. O monstro assassinara o médico sem escrúpulos, o médico gritava em seus últimos suspiros para que todos corressem longe. Os meus cadarços já não conseguem ficar presos o suficiente para que eu não tropece mais. Eu sempre acabo tentando salvar todo mundo, e quando vejo, acabo virando um lunático naúfrago sem ninguém.


Esse texto é sobre o médico, o monstro, o vilão e a princesa. O vilão açoitara tanto o médico que ele perdera a consciência. O médico deixara o antídoto para conter o monstro, e este antídoto era o sorriso da princesa. Mas o vilão malévolo quebrara o frasco e apenas colecionava lágrimas da pobre princesa na sua parede. E então, o monstro ressurge dos sete palmos do chão, procurando vingança, ódio, e uma loucura confundida com personalidade psicopata. O monstro, ao contrário do médico, se tornou um alguém que não se importa se alguém sairá ferido. Ele só quer o corpo do vilão estirado no chão, sangrando até que ele morra.


Felicidade, calmaria, não existe mais. Está perturbado demais. A princesa chora sem parar, o monstro não faz ideia de como a consolar, ele não tem sentimentos, e apesar de saber que ela é a única que o faz tão bem, ele não é capaz de demonstrar sentimentos bons. Ele está num estágio alto de fúria, e está preparado pra matar ou morrer. Pobre médico, se ele tivesse lidado com as coisas, talvez não precisasse resolver desta maneira. O monstro sente inveja do pobre médico, saber racionalizar, ser sentimental, coisas que ele sempre quis fazer. No entanto, o monstro deixa essas coisas fúteis para sua parte humana, deixe que sua raiva o consuma. Pela primeira vez, a vontade de matar alguém e não a si mesmo nasce. E ele se entorpece em seus pensamentos, como seria tão fácil.


Contudo, aparece a imagem da princesa em sua mente. Aqueles olhos ainda o fazem pensar duas vezes antes de fazer alguma bobagem. E pensar que está apaixonado por alguém tão diferente, mas que o completa. Será que ela gostaria se o visse desta maneira, como um monstro gigantesco com sede de sangue? Provavelmente não. A princesa dizia que o médico a fazia tão bem, que gostava tanto dele. Não gostaria de ver essa raiva cozinhando numa face destruida como a dele. Cadê o médico? Precisava de um transplante de coração. Porém, o médico também precisava de um, ele fora morto.


Ele nunca quis fazer mal algum a ninguém. Ele volta ao seu ego profundo. O médico e o monstro continuam uma guerra dentro daquele pobre rapaz, mesmo sabendo que o resultado já fora decidido. O médico está ferido demais pra continuar, mal consegue sentir suas pernas. O rapaz considera se afogar em algumas mágoas gigantescas, talvez morrer seria uma boa ideia, talvez a princesa encontrasse outra pessoa para se doar. Ela é muito para o vilão,para ele e tudo mais. Se ele morresse, tudo seria mais fácil. O monstro planeja escapar de vez. E dessa vez, está ficando forte, o suficiente pra nem mesmo seus queridos pais possam o parar.


"Quer falar de ódio, raiva, emoções reprimidas? Quer brincar de inferno? Então eu sou o carrasco", diz ele com um sorriso mais do esquisito. Escreve e digita suas palavras reprimidas, tentando fazer alguém escutar seu socorro. O que ele ouve é apenas sua voz sendo ecoada naquele buraco que queima. O monstro pensa de novo o quanto deseja a princesa, mas nunca quis a machucar. Ele só queria seu antídoto, droga! Aquele sorriso que consegue tirar o preto e branco do dia, aquela voz que dá a sensação de escutar a canção favorita, aquela que tu se anima só de ouvir o primeiro acorde, a cada palavra é uma batida do coração dele, aquele rosto que ele gostaria de ter num retrato no seu quarto.


O coração está correndo como se estivesse numa corrida de vida ou morte. O pobre rapaz não é nada além de um misto de um monstro e um bobão apaixonado, uma fúria e uma calma, e isto tem realmente o matado. Deus, se consegue o enxergar de longe, ele reza pra que acabe de uma maneira que a felicidade incendeie sua casa, e que esse monstro pela última vez  tente se aprisionar de volta. As coisas tem sido difíceis, as coisas tem sido um inferno. Mas que o monstro não faça nenhuma bobagem, ele tem certeza que seria o culpado por tentar fazer justiça com as próprias mãos. Tempos difíceis.

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