quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pelo Menos Não É Chato

"Quem irá dizer que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração
Quem irá dizer que não existe razão?" (Legião Urbana - Eduardo e Mônica)


Imagem retirada do blog: Mertz Blog


Uma vez eu encontrei um jornal, cheio de tragédias e roubos do povo, feito de lágrimas de inocentes. Então eu resolvi reutilizá-lo, afinal, era no meu mundo vazio que estava ele. Comecei a recortar, picotar, fazer colagens e quando eu vi montei uma maquete de papel.


Eu me lembro como se fosse ontem.. era tão imperfeito, mas ao mesmo tempo, imperfeitamente perfeito pra mim. Eu estava feliz por ter montado os personagens e as casas, os prédios, as lojas, enfim, era tão legal ficar observando aquilo imóvel.


E de repente, parece que tudo havia ganhado vida. Os personagens começaram a se mexer de verdade, como se fosse algum tipo de teatro feito de papel. Parecia que tudo ia numa monotonia, pra falar a verdade, havia me cansado de ficar eles fazerem o mesmo percurso.


Resolvi fazer um personagem diferente dos demais, por isso, ao invés dos outros, que eram apenas preto e branco, resolvi fazer um vermelho. Ao invés dos outros, eu usei outro tipo de papel, e logo depois o colori. O esquisito, que mesmo sem querer, fiz parecido comigo.


Só o ajustei em uma casa, e o deixei dormindo. Logo quando acordou, dava nitidamente ver que ele era meio idiota, afinal, acordou tropeçando nos cadarços do tênis. Colocou suas roupas, e foi para o colégio. Quando ele entrou naquela sala confinada por outros pedaços de jornais, todos ficaram espantados.


"O que diabos está acontecendo?", "Onde está o resto dos pimentões vermelhos?" , era o que se escutava naquela escola. Ele se sentia deslocado, e quando havia trabalhos em grupo, ele sempre fazia sua parte distante dos outros.


Ele não tinha os mesmo assuntos que os demais, nem pensava como os demais. Seu coração, é, existe corações de papel, estava embolado por milhares de riscos feitos à caneta. E quando se tocou, viu que seu coração quase se transformava um real, igual ao nosso, quando encontrava uma certa garota.


Ela era feita de jornal, igual aos outros, e mesmo assim, era tratada de forma especial. Era como se ela tivesse uma cor diferente e brilhante ao redor dela, mesmo ela sendo idêntica às outras garotas em relação à todos os requisitos.


Naquela mesma hora, eu achei esquisito, afinal, eu havia usado o mesmo molde. Depois que eu me toquei, que era só ele que tinha coração. Ela era vazia por dentro, ou se tivesse alguma coisa, seria apenas traços de coração.


Eu, loucamente e intensamente, tentei avisá-lo, por que afinal, querendo ou não, eu criei um tipo de afeição com aquele personagem. Mas ele não me escutava, muitas vezes me xingou, e muitas vezes me ignorou e até me fez sinais obscenos.


Ele, iludido por aqueles traços ofuscantes, começou a inventar coisas que só corações poderiam ter inventado. Inventou canções, textos, e palavras bonitas para descrevê-la. E quando ela descobriu que era ele quem fazia tudo aquilo, adivinha?


É, eu pude ver ela pegando aquele coração que eu desenhei, e o picou. Eu vi que ela sentiu um pouco de pena, e pediu desculpas, porém, ela já estava desenhando seu coração para um outro pedaço de molde. Aquela modelagem que ela estava gostando, não era minha e também eu nunca havia visto antes.


Ele saiu com seus passos mortos pelo corredor, e pouco a pouco, ele foi sumindo. Ele estava se transformando em jornal como todos os outros. "Eu tinha avisado, eu tinha te falado, seu idiota inútil", dizia eu. "Então por que diabos inventou essa droga de coração, se não serve pra nada?" ele respondeu, e assim, fiquei em silêncio, afinal, não tinha resposta.


"Quer saber? Vá se danar, razão maldita" disse ele por fim. É, ninguém nunca me escuta, e eu sempre tento avisar. Mas eu ainda vou continuar essas histórias curiosas. Mesmo que seja triste, pelo menos sai da monotonia. Pelo menos não é chato.

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