sexta-feira, 29 de junho de 2018

Estamos Todos Condenados.



"There are places I remember
All my life though some have changed
Some forever not for better
Some have gone and some remain" (The Beatles - In My Life)

Resultado de imagem para barco de papel

Minhas palavras estão pintadas em branco. Meus sonhos ainda estão com aquela comum neblina à frente, assim como meus desejos, tão translúcidos quanto qualquer transparência de sombra, e um pouco de metáforas em minha vida para que eu possa enfeitar esses textos escondendo minha verdadeira face de dores que eu carrego por toda a minha vida. Ainda me lembro, um pouco vagamente, um pouco dormente, de minhas saudades, de meus amores, tão cheio de defeitos, tão doloridos, que eu amei verdadeiramente senti-los como tal, e amei verdadeiramente as dores infelizes que apesar de ter me matado quase mil vezes, as amei todas as mil vezes. Ainda me lembro, com um pouco de lágrimas em meus olhos, das coisas que vivi, dos mundos que um dia conheci, todos eles, todos eles, eu ainda me lembro, eu juro.


Existem dois tipos de mortos, os que estão enterrados e os que ainda respiram. O segundo grupo em questão, se questiona solitariamente sobre como deveria caminhar depois de tanto tempo nessa escuridão fria e vazia, depois de tanto tempo com a aceitação de que as coisas que dão errado continuarão dando errado, e como o caos que há dentro de seu peito continuará devastando tudo o que consegue visualizar pela frente, fazendo com que não sobre pedra sobre pedra naquele pedaço de mundo esquisito. Eles me diziam, que gostariam de se apaixonar pra variar, e que seria uma boa ideia que as coisas dessem certo pelo menos uma vez na vida. Eles prometiam vitórias, prometiam histórias, mas no olhar deles, eram todos impecavelmente destroçados. Eu nunca disse que eu ia voltar pra casa. Eles também não.


Muitos ainda sentem saudades de serem de verdade, outros ainda pensam o que é de fato a saudade, eu me questiono o que é sentir. É essa parte vaga minha que chamam de sentimentos? É esse buraco no meu peito que chamam de emoção? Agora me tranco numa dor eterna na qual um dia eu tinha tido uma redenção dela. Espero que algum deus me salve. Porque agora, o inferno me deu um abraço, e nele não existe o diabo, existe alguém pior, eu. Eu choro. Derramo lágrimas como se isso fosse de fato resolver alguma coisa, o barulho que ecoa do lado esquerdo é abafado pelo teclado sendo apertado rapidamente como se dissesse com desespero que precisa de ajuda. Socorro. Socorro. Socorro. O toque do celular não acontece mais. A música para. Eu prometi a Jesus que iria morrer aos 28. Ele não me ouviu. Eu também não.


Dizem os poetas que o amor não existe, ele é apenas criado para pessoas terem mais facilidade de criar suas redes de conhecidos. Os amigos que criei através de um suposto amor inventado, muitos deles ruíram como se fossem apenas uma muralha feita de areia, outros ainda resistiram, e outros ainda morreram dentro de mim. Eu não consigo mais ver uma pessoa naqueles olhos, eu não consigo mais ver se eles existem de verdade, ou se conseguiram a transformação de ser mais um de vários nesse ponto azul do céu. Muitos passaram por mim, amigos, farsantes, mentirosos, traidores, todos eles disseram algumas palavras fazendo com que minha cabeça aceitasse abaixada que o mundo é maravilhoso. Ele não é. Tudo o que eles queriam era uma oportunidade de me machucar, me ferir, passar uma faca no meu peito, que quase dizia que não tinha mais sangue pra derramar. Eram todos mentirosos.


Chove muito, e eu me perdi faz muito tempo. As palavras ecoam em minha mente, me destroem como se fossem grandes meteoros atingindo a minha cabeça, e eu perdendo o controle disso tudo. Me condeno de novo, e de novo, e de novo, perdendo a minha cabeça. Eu me lembro de tudo. Digo que minha mente é falha, digo que as memórias se apagam, mas nada se perde. Tudo se arquiva de ordem alfabética, tudo se guarda como se fossem grandes decepções de minha vida, e por incrível que pareça, eu não sinto saudade de nada disso. Eu não sinto saudade de meus antigos amigos, não sinto saudade dos momentos que vivi com eles, não sinto com saudade de minhas "preciosas memórias" que muitos costumam vangloriar e guardar. Tudo pra mim é pedra sobre pedra.


Você se pergunta, o motivo de eu estar digitando tudo isso nesse momento, por que não tomo atitudes? Porque o único motivo de eu estar vivo é que não quero a lágrima de pessoas que gostam de mim. Não é recíproco, é apenas que não gosto de incomodar, então costumo deixar à deriva quaisquer resquícios de mim mesmo entre essas vielas. Estamos todos condenados. Olho de novo pro céu, me questiono, quando isso tudo vai parar? É pra ser assim tão doloroso acordar todo dia? Eu não consigo mais suportar. Deus, se houvesse a chance de parar meu coração por alguns instantes, só pra eu ver se eu encontro você ou o diabo, e então, eu pudesse conter essa agonia, você pararia? É engraçado ao pensar que eu tenho mais curiosidade na morte que na vida.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Esse Texto É Pra Você, Droga

"Me deixa ser 
o seu pingüim 
de geladeira, 
eu fico uma semana inteira 
sem mexer
Me deixa ser
O passarinho do relógio 
que de hora em hora 
pode aparecer, 
pra eu te ver" (Qualquer Negócio - Clarice Falcão)



Ela me disse que gostava de textos fofos, mas achava aquilo tudo uma besteira. Disse que amava filmes românticos e sem sentido, mas não queria vivê-los. Tudo isso era uma mentira, ela me disse. Tudo isso era apenas coisas criadas para acalentar corações partidos que em vão foram perdidos. Ela era uma poeta, só que ela não sabia. E eu tentei dizer isso para ela de alguma forma, mas você sabe como eu sou, eu sou tão sem jeito, que acaba de uma forma completamente desastrosa, e eu acabo ficando sem palavras. Mas eu queria dizer algo. Bom, aqui vai então. Esse texto é pra você, droga. Sim, você que está lendo esse texto agora mesmo pensando, "será que ele está falando comigo?". Você foi a primeira pessoa que passei esse texto, então provavelmente é você. Você disse que gosta de textos fofos? Então aqui vai uma enxurrada de palavras aleatórias que você pode pensar que é romântico.


Ah, só pra você saber, você não tem ocupado minha cabeça. Como diria o ditado, mente vazia, oficina do diabo. Desde que eu não tenho você grudada em minha cabeça como uma parasita, eu pude controlar a minha vida, ser mais organizado, coisa que você adora implicar, estudar, trabalhar, e coisas assim. Pelo menos de tarde, a noite. Mas, eu não tenho controle quando eu durmo. E isso é um problema que eu gostaria que você resolvesse, por favor. Você resolve aparecer em meus sonhos, pintá-los com cores esquisitas, dizer palavras que jamais sairiam de sua boca, me dar os beijos que você nunca daria, me abraçar com a vontade que você nunca demonstraria, e escrever palavras que eu sei que você deve pensar uma vez ou outra, mas jamais me diria, você é orgulhosa demais para isso. É, eu sei.


Não, eu não estou dizendo pra você mudar. Eu não sou manipulador, e muito menos obsessivo com pessoas perfeitas. Perfeição é algo entediante. E eu não escondo que eu sou cheio de defeitos, esse blog é infestado deles. Mas, eu penso tanta coisa pra você, por você e em você, que eu acabei escrevendo de forma aleatória e confusa, talvez você nem entenda o texto, mas eu pelo menos no fundinho do fundinho do fundinho do meu peito, eu vou entender. Eu só jamais admitiria. Eu só queria que você soubesse que eu andei pensando em nós dois, sabe? Tenho um jeito distorcido de ver as coisas. Você pode parar de ler se quiser agora, e fazer coisas mais importantes. Se eu fosse você, eu faria isso. Porque só vai piorar.


Como eu posso dizer, sabe aquele erro? Sim, você nesse momento lembra-se como se fosse ontem. E nesse momento, deve estar sentindo toda a sua fúria por dor, e todos os sentimentos ruins que fiz você sentir. É, eu sei. E vou tirar tudo o que eu penso sobre isso do meu peito agora. Eu falei para você parar de ler. Eu cansei. Se pra você dói por lembrar sentimentos antigos, para mim são sentimentos novos como se fossem criados minutos atrás. Eu sinto o arrependimento até o fundo da minha alma me queimando por dentro, a sensação de ser imperfeito, a sensação de machucar alguém, te consome de uma forma que só mesmo quem fez isso, entende. O remorso. O arrependimento. O desejo de voltar no tempo e fazer tudo diferente. Mas nós dois sabemos que as coisas não são assim. O tempo não volta. E eu sei disso, só que você não sabe. Seus olhos não me dizem nada além de que foi minha culpa, seu sorriso não me diz nada além de que tem medo de mim, e seu abraço tem sua desconfiança de que a qualquer momento eu vou embora. É, eu sei.


Então, vamos lá, faça sem dó, me xingue depois desse texto, me odeie, diga que eu sou o culpado de tudo, me conte uma novidade. Só não diga que gosta de mim. Não diga que me acha uma pessoa especial e me peça para esperar, porque eu prefiro simplesmente ser odiado. Eu não sou um copo na mesa para você passar e volta e meia tomar um gole. Você pode me mandar mensagem agora. Eu não vou responder. Não sumi, eu só tenho um trabalho e uma prova nesse dia. Só me mande mensagem se for pra dizer que gostou desse texto, ou pra me xingar, mas não diga para eu esperar. Não faça isso. A não ser que ache que eu não tenho sentimentos, e eu sou um monstro, e que eu poderia sim sentir mais um pouco de dor. Aí não tem problema. Mas ok. Já foi a parte ruim, prometo que você pode voltar a ler agora. Você vai gostar agora.


Como eu posso dizer, sabe aquela garota? Claro que sabe, você vê ela todos os dias em seu espelho. Você provavelmente reclama do cabelo dessa garota, reclama de como sua roupa fica amassada de manhã, ou esses detalhes pífios que eu não me importo. É, eu não me importo, não é nada pessoal, não que eu não ligue pra sua aparência, eu só ligo com a parte que você liga. Se você se sente bem com isso, eu estou ótimo com isso. Se as pessoas te conhecessem, e eu dissesse o que eu acho de você, todas elas iriam me dizer que eu era uma pessoa maluca de pensar isso de você. Diriam para me afastar de você, você me disse isso uma vez. É, eu sei. Mas, eu não tenho muito controle disso aí, simplesmente aconteceu de eu querer falar com você direto, e gostar de suas implicâncias, de seu jeito peculiar de me elogiar, de seu oi e tchau no mesmo dia. E olha que eu nem falei de domingo.


Como eu não falaria? Eu senti o tempo parar aquele dia, e eu nem entendo muito de relógios. Você fez confusões e derramou coisas, falou bastante e eu não falei quase nada, você achou esquisito, é que eu estava te admirando o tempo todo e querendo sentir o seu calor mais perto de mim. Essas horas você deve estar pensando que eu só estou sendo idiota, e que é só uns coraçõezinhos e um emoticon sorrindo que vai resolver. Você não tem ideia de como suas palavras fazem efeito em mim. Se você me dissesse simplesmente coisas simples como "eu quero te abraçar agora", que isso me faz querer saltitar no meio da rua. É, eu sou um idiota. É, você não entenderia. Eu também não entendo.


E você me fala que namorar é complicado, é algo sério, envolve família. É, eu sei. E é por isso que eu estou nesse nível de seriedade. Eu acho que depois de muito tempo, eu entendi o que era ter alguém. Não é alguém que você fala todos os dias, não é alguém que você precisa falar de amor o tempo todo, e precisa ser fofo o tempo todo, mas é simplesmente alguém que quando essa pessoa não aparece nem que seja pra dizer um oi no dia, o dia parece meio vazio, meio confuso, como se estivesse esquecido o guarda chuva em algum lugar. O dia, simplesmente não é o dia completo. E se você me perguntasse agora, vamos, já? Eu diria sim. Eu sei que você me levaria para um lugar bom. Quer dizer, sua presença já faz com que o lugar seja bom. Mas sim, é disso que eu estou falando.


E não estou dizendo pra te forçar a nada, longe de mim. Você já é confusa sozinha, não precisa de mim para piorar as coisas. É, eu sei. É que eu calculei todas as formas de tudo isso dar errado, e todas elas, eu refutei. Eu só achei que a gente daria mais certo junto. Só isso. Mas isso é só algo da minha cabeça, não ache que eu estou dizendo para você comprar a primeira passagem para minha cidade e vir me beijar aqui em casa (não que eu não fosse gostar disso). Eu tenho saudades de uma pessoa que eu converso o tempo todo. Irônico. Eu estou bêbado, e nem bebi, eu estou com cirrose, e nem fumei, eu estou apaixonado, e nem... Você sabe. É, você sabe.

domingo, 14 de maio de 2017

Homicídio

"Hold onto hope if you got it
Don't let it go for nobody
And they say that dreaming is free
But I wouldn't care what it cost me" (Paramore - 26)



Talvez, ele andasse por ruas que não são feitas de terra. Talvez, ele acendesse fogueiras em dias em que as chamas se apagassem facilmente. Ele só era um jovem, diziam as histórias. Ele só era um jovem com uma mochila nas costas, e um olhar triste. Ele caminhava como se existissem trilhas, mesmo que não existisse alguma. Mesmo que não existisse ninguém por esses locais, ele ainda tentava andar. Era bonito aonde ele estava, as árvores derrubavam folhas e o vento era fresco. As terras eram fofas, as páginas de textos das quais ele escrevia com todas as suas forças já eram amareladas, e precipitadamente, ele fechou os olhos como se fossem apenas mentiras. Tudo o que ele era estava como se fosse cacos.


Seus olhos transbordavam água como se fosse um oceano, tudo o que ele sentia parecia como se fosse uma história mal contada, tudo estava a ruir novamente. Será que ele errou em alguma coisa de novo? Sentia sua pele desejar estar em algum outro lugar. Talvez seu corpo fosse mais aproveitado se fosse uma outra pessoa no lugar, talvez se outra mentalidade estivesse aqui talvez as coisas fossem diferentes, ele se sente realmente como se estivesse a caminho do hospital, e estivesse prestes a uma cirurgia de risco. Está tudo ruindo, ele me disse. Está tudo indo mal, ele me disse. O que eu fiz? Foi dar respostas vagas, sem preocupações, eu tinha as minhas, é, as coisas são assim mesmo.


E assim terminava a cerimônia, ele perguntava, eu respondia coisas vagas, estávamos preparados para entrar novamente na segunda-feira. Menos ele. Ele não quis acompanhar junto com a gente. Não quis seguir em frente, não quis enfrentar o mundo. Ele não era um guerreiro. Ele não era um soldado que estava preparado para ir ao front de batalha, com as armas nas mãos, e preparado para derramar sangue de adversários. Ele não era assim. Eu me lembro a sua caligrafia, ele dizia palavras simples e bobas, como que gritasse um desejo de harmonia e paz dentro de todos nós, como se quisesse que tudo se resolvesse da melhor forma. Ele era realmente um soldado sem armas, e sim uma caneta.


Eu vi fumaças. Eu vi sirenes, polícia, ambulância, na direção da casa dele, eram quase duas horas da manhã. Não questionei. Liguei para lá, ninguém atendeu. Liguei para os meus contatos, ninguém sabia de nada. Fui até lá, vi o inferno. Estava tudo em chamas, estava tudo indo aos pedaços. O que ele estava pensando? Por que ele queimaria tudo como se fosse jogado tudo para trás, sem pensar duas vezes? Ele era um amigo meu, por que ele iria jogar tudo o que tivemos como se fosse lixo e nos deixar para trás? Não pensou no que iríamos sentir quando ele fosse embora? Será que ele realmente se importava conosco?


Foi então que a polícia me deu um pedaço de papel, era a letra dele. Eu comecei a chorar instantaneamente, como se tudo fizesse sentido agora. Ele não precisava de milhares de amigos, e sim de apenas um. As palavras diziam: "Talvez eu não me importe tanto de ir embora, minhas malas estavam prontas antes mesmo das pessoas me conhecerem direito. Eu já conhecia o caminho, li coisas do tipo. Era tarde pra me fazer voltar atrás, mas não era tarde pra dizer adeus. Mas ninguém disse. Ninguém mesmo, nem mesmo uma mensagem, estava tudo preparado para ir embora. Eu reconheci como o mundo não foi feito para mim, e resolvi partir com um milhão de lágrimas na minha mão."


Desde o início, só pensei em mim. Desde o início, pensei somente em como eu me sentia perante a ele, como eu pensava e como meus problemas estavam me atingindo. Mas não pensei nem por um segundo que aquele sorriso era de plástico. Não lembrei que ele me disse uma vez, que queria ir embora. Não me lembrei, que ele me disse que estava tudo mal, que ele precisava de um abraço agora. Essas palavras foram as últimas coisas que eu cogitei lembrar. Eu só cogitava coisas banais, eram sempre os mesmos assuntos, eram sempre as mesmas derrotas, mesmas mentiras que eu fazia para parecer um pouco mais maduro. Ele não era assim.


Ele tinha a mentalidade sincera de uma criança, ele tinha o pensamento de alguém honrado, com ideais e ideias que fariam inveja a qualquer artista. Ele era um artista sem precisar ter apresentações, era um gênio que eu devia ter admirado mais cedo. Ele era a minha melhor parte dos meus amigos, e eu não valorizei nem mesmo por um instante. Eu era uma mentira. E quando eu vi, ele foi embora sem dizer adeus. e eu te escrevo agora, para não cometer o crime que eu cometi, matei alguém e fui considerado inocente. E eu matei sem dó, sem piedade, por simples desprezo. O nome dele? Gustavo.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A Arena

"Vendo daqui, chove demais
Os momentos desse filme podem ser finais
Algum horror, nenhuma paz
Já que esses olhos verdes só me olham sem amor
E na ponte sobre o nosso rio corre algum rancor
Dos fantasmas que passeiam soltos pela escuridão
Do vestido da princesa e a mina de carvão" (Darvin - Epílogo)



Encosto meus dedos em um teclado de computador sujo, talvez eu repare em detalhes até imperceptíveis a olho nu. Eu vou empilhando meus sonhos como se fosse uma grande torre de Babel,
com a esperança que ela alcance os céus. Destruí minha vida várias vezes com apenas palavras inventadas na minha cabeça, reparei erros que eu achei que eles eram feitos aço. Eu fui um mago sem magia, um guerreiro sem espada, um cantor sem voz. Eu fui pessoas que foram mais verdadeiras que eu mesmo. Eu sangrei sem precisar que uma adaga atravessasse o meu peito, e rezei pra deuses os quais eu não acreditava. Eu vivi muitas vidas com poucos anos. E o que eu carrego na minha mochila, é um punhado de pedras. Um punhado de pedras com lascas vermelhas, um punhado de dores feitas de verdade. E hoje eu sinto uma saudade.


Aonde eu estou agora, me diga? Com tantas lágrimas e dores feitas de pesticida, investi meu tempo em vão para que meus gritos fossem ouvidos. Eu estava sendo feito de pedaços de vidro, criando espelhos para que eu pudesse esconder minhas rachaduras. Mas não pude. Percebi que minhas rachaduras se aumentavam a medida que as maquiagens eram passadas nas feridas, e percebi que eu era feito apenas de rachaduras, e não de vidro. Eu percebi que era falho. E estava tudo bem ser assim. Confesso que entrei em choque, como poderia de tal forma existir e ser imperfeito? Por que não posso lutar contra os meus defeitos? E quase entrei em erupção. Meus olhos pediam um pouco de descanso, mas o meu corpo pedia mais uma luta.


E eu entrei na arena, com dois pedaços de pedra, e um escudo feito de latão. Olhei ao meu redor, e todas as pessoas que conheci estavam lá na arquibancada da arena, algumas torcendo por mim, outras torcendo pelo meu adversário. E então, entra o favorito, o meu adversário. Eu mesmo. Ele vinha carregando uma espada negra com punhal vermelho, um escudo preto com detalhes vermelhos e os olhos que pareciam estar em chamas. Sua armadura completamente escura já dizia o que todas as pessoas sabiam: Ele era meu executor. Olhei distante, vi um outro rosto meu na arquibancada lá em cima, escondido entre panos e mais panos, com as mãos juntas, como se fizesse oração aos céus. Percebo que ele está com medo.


A medida que vou vendo mais detalhes, perco por um instante a concentração e quase sou ferido por um golpe mortal desferido pelo meu lado negro. A ferida passou de raspão, mas começo a sangrar. O meu medo aperta as mãos com mais força, como se a sua esperança fosse tudo o que ele tinha. E então, volto meus olhos a luta, eu vou desviando, mas ele é rápido demais, quase que eu tomo golpes fatais. Ele levanta sua espada banhada à auto-destruição, e passa perto demais. Se não fosse meu escudo de latão feito de sorrisos forçados, eu já tinha caído. A luta é grande, a arquibancada treme. Os olhos das pessoas me dizem que eu vou morrer. Eu vou morrer.


Olho o dono da festa, o que organizou o evento, era eu mesmo, mas esse eu, não usava roupas extravagantes, ou mesmo tinha servos. Ele tinha roupas simples, estava sentado distante no topo da arena, e não tinha a companhia de ninguém. Ele olhava sem expressão para a nossa luta, como se essa luta fosse um gatilho para alguma coisa. Ele espera pacientemente. E então, a espada atravessa o meu peito. O cavaleiro negro, sorri e sussurra no meu ouvido: "Seja bem-vindo ao seu inferno pessoal. E não, isso não é normal". Eu caio. As vozes são cessadas e minha visão borra, olho pela última vez o rapaz entre os  panos, ele chora. Olho para o topo, o meu lado quieto se levanta e vai querendo partir. Eu quero também.


Mas, eu não poderia de tal forma permitir que isso terminasse assim. Depois de uma hora esticado ao chão, quando a arena, já praticamente vazia, meu adversário, depois de celebrar a vitória, começa a sair da arena, Eu encho minhas mãos de areia, e meus punhos se fecham. Meus olhos abrem, meu corpo deseja um último golpe, um último olhar. Olho ao redor da arena, vejo que o rapaz entre os panos chora e continua sentado torcendo com as mãos fechadas, e no topo, o meu lado silencioso não estava mais lá, parece que ele está descendo para entregar algo para o cavaleiro negro. Eu não vou deixar. Começo a deixar meu corpo tremer. Começo a sentir a adrenalina. Começo a sentir.


Devagar, eu me levanto. A espada, ainda fincada no meu peito, faz meu sangue derramar e continuar quente. Meu olhar pede mais uma luta, meu corpo já disse adeus. "Eu voltei do inferno". O cavaleiro negro me olha assustado, começa a deixar o seu corpo ficar paralisado. O rapaz entre os panos se levanta, e tira os panos. É o meu rosto, mas agora não mais chorando, e sim aplaudindo. Ele sozinho ecoa a arena com suas palmas. O cavaleiro está irritado com as palmas, e meu lado silencioso, que caminhava devagar em direção ao cavaleiro, fica parado no meio das escadas da arquibancada. Como se dissesse, é sua chance, não desperdice.


Eu tiro a espada do meu peito, o sangue cai ainda mais, mas não vou deixar, seguro a espada com as duas mãos, jogo meu escudo de latão pra longe. É um último golpe, com todos os clichês de adeus. O cavaleiro tenta usar seu escudo feito de lágrimas, a espada o destrói, e a espada parte sua cabeça em dois. O sangue jorra no meu rosto, acho que finalmente acabou. Eu não sei exatamente como estou de pé. O jovem eu da arquibancada cheio de panos chora de alegria e aplaude com força, o meu lado silencioso vem em minha direção carregando algo. Eu caio no chão, como eu conseguiria fazer algo agora? "Você fez bem. Não sei o que aconteceria com todos nós se ele tivesse vencido." Ele me entrega um anel, e coloca nos meus dedos. Diz que ele é o lado dos sonhos, da criação, da invenção, ele é quem luta por mim nas horas em que eu preciso inventar. Diz que ele vai lutar por mim agora. É hora de um descanso. Reconheço o jovem da arquibancada, é o meu lado otimista. Meu lado pessimista, era o cavaleiro negro. E eu, era o real. Fecho os olhos, deixo que o ferimento me abrace. Não vai existir adeus enquanto tiver esses três caras lutando.

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